Este título encabeça
um magnífico texto da escritora Marina Tavares Dias, acompanhado de belíssimas
fotografias das varinas dos anos 30, no seu livro: Lisboa Misteriosa, da
editora Quimera.
Começa por contar uma história, em voga
no século XIX, que atribuía às varinas origem fenícia.
Escreve Marina Tavares
Dias: “Dois diletantes estão pregados à porta da Casa Havaneza, no Chiado,
entretendo o tempo na avaliação carnal do mulherio que passa. Entre os
espécimes a que fazem olhinhos, registam com agrado a beleza superior das
peixeiras. Passando elas, não se contém um dos imbecis em lhes atirar a frase
feita: – “Que belos exemplares de raça fenícia!” .
De entre as ovarinas, lestas
na resposta, uma replica logo: – “Fenícia é a sua tia!”
Gustavo de Matos Sequeira considerava a
varina como uma “herança fenícia refundida em moldes gregos, com atributos que
atestam tal herança: tez morena, feição carregada, olhos escuros, tronco curto
e direito e porte altivo.”
Varino e Vareiro
Pinho Leal escreveu que a designação de
“varino” e de “vareiro” abrangia todos os habitantes da orla marítima que vai
de S. Jacinto até Espinho, o que é errado, pois deveria ser atribuída apenas
aos habitantes de Ovar (“ovarinos”).
Caldas Aulete (Dicionário Portuguez)
atribui a herança etimológica a uma tribo de suevos, denominada “varinos”, e
historiadores mais recentes explicam-na através da mecha, ou vara com que se
muniam os moliceiros da Ria. A respeito desses lindíssimos barcos que vão sendo
cada vez mais raros, tenho lido em muitas ilustrações de revistas e jornais que
são de origem fenícia, indo, deste modo, ao encontro da tese desses
historiadores.
As "Varinas" de Lisboa
A etimologia da palavra “varina” tem
gerado muitas discussões.
“Tal como a fadista da Mouraria, a
peixeira da Madragoa foi tema inesgotável de romances populares, peças de
teatro, poemas mais ou menos famosos, pinturas, esculturas, desenhos,
caricaturas e fotografias artísticas”, diz-nos a autora de “Lisboa Misteriosa”.
Depois da construção da linha-férrea,
partiram para Lisboa, de Ovar e povoações vizinhas da beira-ria, especialmente
da Murtosa, muitos homens e mulheres para procurarem o trabalho que não
encontravam nas suas terras.
Habituados a tarefas árduas no mar ou na
praia, onde começavam, desde crianças, a puxar e a carregar com as redes e cordas das companhas
do Furadouro, eles, ainda muito jovens, encontravam nas águas do Tejo o seu
modo de vida, trabalhando nas fragatas, que eram, ao mesmo tempo, a casa onde
ganhavam o sustento deles e da família, e onde comiam e dormiam. Elas, acostumadas
a calcorrear caminhos longos de canastra à cabeça, apregoando a “sardinha do
nosso mar”, facilmente se adaptavam a correr as ruas de Lisboa apregoando o
“peixe fresco”, “viva da costa”, “pescada do alto”, e outros pregões que, como
estes, deixaram há muito de se ouvir nesta cidade.
Varina de Lisboa que, por 1930, segundo Marina Tavares Dias, começou a desfazer-se dos seus acessórios |
Dizia o viajante e escritor René Bazin,
em 1895: –“Na rua próxima (da Praça da Figueira), nas que se lhe seguem, em
todas as ruas de Lisboa simultaneamente, de canastra à cabeça apregoam o peixe
fresco… Algumas dessas mulheres são lindíssimas.”
Marina Tavares Dias continua a
descrevê-las no seu livro duma forma encantadora, dizendo: “As mulheres de Ovar
deixaram as chatas e as labregas da ria de Aveiro e migraram, nos primeiros
comboios, para um dos bairros mais pobres de oitocentos: “A Madragoa”. Mais
adiante fala-nos da indumentária “de características tidas por sagradas, passou
a incluir o chapelinho de feltro, cinta de lã a altear a saia axadrezada,
avental e, apoiando a canastra, a célebre rodilha ou “sogra”. “Uma patrona,
bolsinha lateral também de feltro, servia para guardar os trocos”.
É curioso que quase todos os
articulistas de jornais ou outras publicações, quando escrevem sobre as
varinas, referem sempre o bairro da Madragoa como sendo uma espécie de colónia
onde se agrupavam as peixeiras de Lisboa, esquecendo-se de Alfama, outro bairro
típico da capital, onde moraram muitas vendedeiras de peixe e fragateiros de
Ovar, que por lá deixaram descendência. Há uns anos atrás, era de Alfama a
maior parte dos excursionistas que vinham de Lisboa a Ovar para verem o nosso
Carnaval.
Hoje, com o peixe congelado e as grandes
superfícies de supermercados, as varinas de Lisboa desapareceram. O mesmo
aconteceu com os fragateiros e profissionais de outras artes do Tejo, que
fizeram história no passado e que se foram perdendo no tempo, mas que devem ser
recordadas para não se perderem também na nossa frágil memória.
TEXTO: José de Oliveira Neves
FONTE: jornal ovarense "João Semana" (edição de 15/09/2005)