Avançar para o conteúdo principal

Os sinos da Igreja Matriz de Ovar – por António Dias Fernandes

Já lá vão cerca de vinte anos. Em toda a vila vareira ouvia-se o toque das Ave-Marias logo de manhãzinha, ao meio-dia e ao pôr do Sol. Era uma tradição que para as gentes do campo tinha um significado muito especial, já que aqueles toques representavam qualquer coisa de belo e útil, especialmente o do pôr do Sol, quando os seus corpos sadios mas cansados se entregavam ao descanso e ao regresso aos lares, rezando silenciosamente as três Avé-Marias.

Sino da Igreja Matriz de Ovar repicando
FOTO de Fernando Pinto

Mas não foi só este toque que se desvaneceu no ar. Também os alegres repiques anunciando os casórios cheios de festa e cor e os baptizados dos pequenos rebentos que se entregavam, então, a Cristo.
É altura de explicar a regra de sinos para os momentos fúnebres: para mulheres, duas carreiras de sinos, intercaladas de 5 minutos; para homens, três carreiras; para sacerdotes cinco; nove para um Bispo; e doze para um Papa.
As crianças tinham três repiques se eram do sexo masculino, e dois se eram do feminino, também com intervalos de 5 minutos.
Muitos lembrarão ainda as seis badaladas do sino grande, que mesmo durante a noite lembravam a agonia de algum irmão, num apelo a outros tantos Pai-Nossos.
Recordamos com saudade o som forte e pesado do sino dos Passos, que espalhava até 5 km o seu ribombar lânguido e lento, anunciando a morte de um irmão cristão. Hoje, se tocasse, ouvir-se-ia só dentro da vila, rouco e áspero. Está rachado. Será preciso uma quantidade enorme de escudos para a sua reparação, e a Irmandade não terá esse dinheiro todo. Todavia, se todos dessem um pouco, uma migalha apenas, decerto que daqui a algum tempo teríamos de novo o seu som forte e profundo a estalar pesadamente no ar.
Mas continuemos a falar dos sinos. Alguns dos seus toques desapareceram com o tempo. Lembravam a festa das Filhas de Maria, a saída do Santíssimo Sacramento para os enfermos – que belo e inesquecível repique! –, o toque das calhandras a anunciar, num tom triste mas ameno, a Adoração das 40 Horas e a Quinta-Feira, e o toque a erguer a Deus na Missa conventual de Domingo.
São recordações que ficam para todos aqueles cristãos que se deslocam à Igreja chamados por estes sinos e que hoje, com pesar, não ouvem os velhos repiques. Ao recordá-los, fazemos um apelo: – porque não havemos de salvar o sino do Senhor dos Passos, contribuindo, para isso, com a nossa ajuda monetária?
Se quisermos, ele continuará a tocar. E tocará sempre, se não o deixarmos de novo morrer.

TEXTO: António Dias Fernandes
FOTOS: jornalista Fernando Pinto
FONTE: jornal de Ovar "João Semana" (edição de 15/03/1980)

----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Sinos da Matriz de Ovar
No Almanaque de Ovar de 1914 e nas “Poalhas da História da freguesia e Igreja de Ovar” dão-nos os Padres Manuel Lírio e José Ribeiro de Araújo algumas notícias sobre os sinos da Igreja Matriz.

TORRE NORTE (hoje sem sinos)
Tinha, em 1790, um sino com a seguinte legenda:
IESVS, MARIA JOSÉ. S. CHRISTOUÃO DE OUAR. 1790. ANDRÉ DE ARCOS ME FES.
Dele escreve o Padre Ribeiro de Araújo, nas suas “Poalhas”: “Rachou não se sabe quando, e em 1919 a junta [de Paróquia] vendeu-o à Irmandade dos Passos, que o aplicou na refundição do seu sino grande e da garrida” (pequeno sino da torre nascente).

TORRE SUL
- Sino da freguesia (do relógio), do lado poente
JHS. MARIA JOSE. ANNO DE 1812. S. CHRISTOVOM ORA PRO NOBIS. LUIZ BERNARDO ARANHA ME FEZ. PORTO. (1)

Sino da freguesia - FOTO de Fernando Pinto

- Sino dos Passos, do lado sul
J.H.S. MARIA JOSE. FEITO POR JOSE AMARO SENIOR EM CANTANHEDE EM 1865. ESTE SINO É DA IRMANDADE DO SENHOR DOS PASSOS DA VILLA D’OVAR.

Sino grande dos Passos (lado sul) - FOTO de Fernando Pinto

“De novo partido em meados do século XX, foi reconstruído, mas voltou a rachar pouco depois, estando inactivo desde há mais de 35 anos.

Sino Garrida - FOTO de Fernando Pinto

- Sino Garrida
☩ IN HOC SIGNO VINCES. 1854. A IRMANDADE DO SENHOR DOS PASSOS ME MANDOU FAZER… DE CANTANHEDE. FRANCISCO LOPES ME FEZ DE CATANHEDE.(2)
“Rachado pelas múltiplas e simultâneas marteladas que com chaves e outros instrumentos lhe vibraram as festeiras do Coração de Maria, por ocasião da festa, no anno de 1911, foi, posteriormente, restaurado”.

- Sino do lado norte
J. H. S. MARIA JOSE. ANNO DE 1772. FUGITE PARTES ADVERSAE ☩ ECCE CRUCEM DOMINI. (3)


NOTAS:
(1) Tradução: JESUS MARIA JOSÉ. ANO DE 1812. S. CRISTÓVÃO ROGAI POR NÓS...
(2) Tradução: ☩ COM ESTE SINAL VENCERÁS (...) No original do "Almanaque" aparecem as duas grafias "CANTANHEDE e CATANHEDE".
(3) Tradução: (...) FUGI, FORÇAS INIMIGAS ☩ ESTA É A CRUZ DO SENHOR

Leia AQUI o artigo "Antigo toque de sinos em Ovar", publicado no jornal "João Semana" de 1 de Junho de 2011.