Jornal JOÃO SEMANA (01/11/1977)
TEXTO: Manuel Pires Bastos
Em 13 de Outubro passado completaram-se 60 anos sobre a
última das seis aparições da Cova da Iria. Entre os muitos milhares de
peregrinos presentes às solenes comemorações, encontravam-se, segundo noticiou
a imprensa, 30 testemunhas do célebre “milagre do sol”. Este fenómeno, ocorrido
em 13/10/1917, concitou sobre Fátima, a atenção de Portugal inteiro, envolvido,
então, na 1.ª Grande Guerra, e deu maior credibilidade aos acontecimentos que
ali vinham ocorrendo desde 13 de Maio [1].
Por uma busca sumária que fizemos, ficou-nos a impressão de que o “João Semana”, jornal de formação católica, então com três anos de idade, foi o único periódico local a noticiar um assunto de tanto impacto popular e, mesmo assim, apenas em 28 de Outubro, 15 dias após a última aparição.
Por uma busca sumária que fizemos, ficou-nos a impressão de que o “João Semana”, jornal de formação católica, então com três anos de idade, foi o único periódico local a noticiar um assunto de tanto impacto popular e, mesmo assim, apenas em 28 de Outubro, 15 dias após a última aparição.
Os outros jornais vareiros de então – “A Discussão”
(1895-1919), “A Pátria” (1908-1928), “O Ovarense” (1883-1921), e o “Ideal
Vareiro” (1916-1918) – silenciaram, por completo, o acontecimento, decerto
propositadamente, já que os ventos sócio-políticos da época eram manifestamente
anticlericais, e porque as manifestações de Fátima logo foram interpretadas
pelas forças republicanas como manobra reacionária.
Admira tanta precaução do “João Semana” em relação aos
fenómenos da Cova da Iria, ao constatarmos que deu razoável e imediata
cobertura a umas pretensas aparições ocorridas no lugar do Barral, São João da
Vila de Chã, concelho de Ponte da Barca, em 10 e 11 de Maio de 1917, vésperas,
portanto, da 1.ª aparição de Fátima [2].
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Representação da aparição de Nossa Senhora aos pastorinhos (Lúcia, Francisco e Jacinta) |
Teriam as novas de Fátima tardado em chegar aqui? Teria
sopesado a favor do crédito do Barral o facto de o seu caso ter vindo a público
no semanário católico “A Ordem”, do Porto, de 9 de Junho imediato? Seria apenas
por acatamento às reservas impostas pela Igreja relativamente aos
acontecimentos de Fátima? Ou um pouco por prudência, para evitar as críticas
dos detractores, escandalizados por tantas manifestações do sobrenatural?
Certo é que os responsáveis do “J. S.” só se dispuseram a
quebrar o silêncio depois de todo o País ter comentado, estupefacto, o “milagre
do sol” através de reportagens da grande imprensa, nomeadamente do "Século" do
dia 15 imediato [3].
Eis o curioso texto, não assinado, por certo escrito pela
redação do “Mensageiro Parochial”, de Viseu, um dos semanários que se publicavam em duplicação com o “João Semana”:
O tema volta na semana seguinte (4/11/1917), na 3.ª página, na secção "Por aqui e por alli"
Depois de duas notas abordando, respetivamente, os maus jornais e as baixas alemãs na Grande Guerra, vem uma terceira nota nos seguintes termos:
"Falla-se muito em paz. Para que esta seja em breve uma realidade consoladora, devem todos os crentes orar muito.
Já deves ter ouvido fallar, caro leitor, nas apparições de Fátima. Affirma-se que uma creanças d'aquelle logar, tiveram a graça de ver e ouvir Nossa Senhora várias vezes.
Como a Senhora lhes havia annunciado que a última apparição seria no dia 13 d'outubro, ellas assim o fizeram constar, e n'esse dia uma multidão enorme, talvez 50 000 pessoas, vindas de todos os pontos do paiz, alli se reuniu para observar o prodigio.
As creanças dizem ter visto realmente a Senhora n'esse dia e ter-lhes ella recommendado algumas coisas e annunciado o fim proximo da guerra.
Será verdade?
O nosso dever de catholicos é aguardar os acontecimentos e as decisões da auctoridade ecclesiastica."
Oito dias depois, duas locais sobre o assunto. Uma na secção "Por aqui e por alli" e outra com o título "A propósito".
Diz a primeira:
"A Associação de Registo Civil vergonha da nação portuguesa, representou ou vai representar ao Governo para que jamais consinta casos como o de Fátima. / Ó Ceus! Aqqueles demonios um dia são capazes de pedir ao Governo que mande apagar o sol para que elle não allumie nem aqueça os que crêem em Deus! Que ferocidade e que estupidez!"
Eis parte da segunda transcrição:
Depois de duas notas abordando, respetivamente, os maus jornais e as baixas alemãs na Grande Guerra, vem uma terceira nota nos seguintes termos:
"Falla-se muito em paz. Para que esta seja em breve uma realidade consoladora, devem todos os crentes orar muito.
Já deves ter ouvido fallar, caro leitor, nas apparições de Fátima. Affirma-se que uma creanças d'aquelle logar, tiveram a graça de ver e ouvir Nossa Senhora várias vezes.
Como a Senhora lhes havia annunciado que a última apparição seria no dia 13 d'outubro, ellas assim o fizeram constar, e n'esse dia uma multidão enorme, talvez 50 000 pessoas, vindas de todos os pontos do paiz, alli se reuniu para observar o prodigio.
As creanças dizem ter visto realmente a Senhora n'esse dia e ter-lhes ella recommendado algumas coisas e annunciado o fim proximo da guerra.
Será verdade?
O nosso dever de catholicos é aguardar os acontecimentos e as decisões da auctoridade ecclesiastica."
Oito dias depois, duas locais sobre o assunto. Uma na secção "Por aqui e por alli" e outra com o título "A propósito".
Diz a primeira:
"A Associação de Registo Civil vergonha da nação portuguesa, representou ou vai representar ao Governo para que jamais consinta casos como o de Fátima. / Ó Ceus! Aqqueles demonios um dia são capazes de pedir ao Governo que mande apagar o sol para que elle não allumie nem aqueça os que crêem em Deus! Que ferocidade e que estupidez!"
Eis parte da segunda transcrição:
“A Propósito / Ora sempre hão-de fazer o favor de nos
dizer se acreditar no milagre de Fátima será coisa mais criminosa que acreditar
no bacalhau a tres vinténs”. (O Governo tinha prometido esse preço, embora o
bacalhau custasse oito tostões…).
Como em números anteriores, em 18/11 um anúncio convidava
os leitores a comprar postais ilustrados na Rua Júlio Dinis, 33. Desta vez,
porém, avisa que vendiam “alguns com os pastorinhos de Fátima a quem Nossa
Senhora apareceu”.
Talvez por censura interna do jornal (de Ovar? De
Viseu?), o anúncio de 23/12, em vez de “apareceu” trazia: “se diz ter
aparecido”.
NOTAS
[1] – As aparições com exclusão da de Agosto, tiveram
lugar nos dias 13. A de Agosto foi a 19, data aproveitada em 1977 como
comemorativa da elevação de Fátima a vila.
[2] – Em 01/07/1917 noticiava o “J. S.”:
Um rapazito de dez anos, chamado Severino Alves, pastor, filho duma pobre e virtuosa viúva, é o protagonista do caso".
E segue a transcrição de “A Ordem” de 09/06/1917, em que
se narra ir o pequeno pastor, em dia da Ascensão, a caminho do monte, eram
cerca das 8 horas da manhã, rezando o terço, quando um relâmpago o
impressionou. “Dá mais uns passos, atravessa um portelo e defronta uma Senhora,
sentada, com as mãos postas, tendo o dedo maior da mão direita destacado, em
determinada direção. O seu rosto era lindo como nenhum outro, toda Ela cheia de
luz e esplendor, de maneira a confundir a vista, cobrindo-lhe a cabeça um manto
azul, e o resto do corpo um vestido branco. Logo que o pequeno vidente A viu,
caiu para o lado surpreendido com tal acontecimento. Readquirido animo,
levantou-se e exclamou: “Jesus Cristo”. Nesse mesmo momento desapareceu a
visão”. (…)
No dia seguinte, à mesma hora e no mesmo local encontrou
a mesma Senhora. “Nesse dia o rosto da Aparição despreendia-se em sorrisos.
Quando A viu caiu de joelhos e disse um pouco surpeeendido (para não dizer
assustado), o que o seu pároco lhe havia aconselhado: – Quem falou ontem fale
hoje. Então a Aparição com uma voz que era um misto de rir e cantar, diferente
do falar de todos os mortais que tem visto, tranquilizou-o dizendo-lhe: “Não te
assustes. Sou Eu, menino. E acrescentou: “Dize aos pastores do monte que rezem
sempre o terço, e que os homens e mulheres cantem a Estrela do Céu. E as Mães
que têm filhos lá fora, que rezem o terço, cantem a Estrela do Céu e se apeguem
comigo, que hei-de acudir ao Mundo e aplacar a guerra”. (…)
Depois de observar que, com a comoção, o pequeno não mais
quis voltar ao local da aparição, “A Ordem” acrescenta: “A criança, apesar da
sua extrema pobreza, tem uma aparência sadia, sem aspecto e antecedentes
nervosos que permitam supor que fosse uma alucinação, aliás repetida. É uma
criança que é considerada na freguesia, gozando fama de verdadeira, e não
mentirosa”.
E a notícia continua, explicando que a “Estrela do Céu” é
uma antiga oração já esquecida naquela terra e que o povo considerava a
aparição como de Nossa Senhora.
Em 8/7, 15/7 e 22/7, “J. S.” volta ao assunto, a
propósito da antífona “Estrela do Céu”, e na semana seguinte (29/7) afirma que
a autoridade eclesiástica iniciou o processo e que, enquanto o arcipreste local
concluía pela veracidade dos factos, milhares de pessoas citavam milagres e
deslocavam-se ao Barral.
O probo historiador e professor universitário P.e Avelino
de Jesus Costa, que se debruçou sobre o assunto, admite a veracidade dos
factos:
[3] “O Século” do próprio dia 13, em 1.ª página, anunciava: “Em pleno sobrenatural! As Aparições de Fátima / Milhares de pessoas concorrem a uma charneca nos arredores de Ourém, para verem e ouvirem a Virgem Maria”.
O jornalista Avelino de Almeida foi, como enviado
especial, disposto a fazer a reportagem da aparição e, como livre pensador, ia
preparado para escalpelizar o anunciado “sinal” previsto para aquele dia. Do
que observou escreveu com imparcialidade, logo no dia 15, em 1ª página, um
artigo intitulado: “Coisas espantosas! Como o Sol bailou ao meio dia em Fátima.
As Aparições da Virgem – Em que consistiu o sinal do Céu – muitos milhares de
pessoas afirmam ter-se produzido um milagre – A guerra e a paz” e uma
fotografia dos três pastorinhos (a única ilustração vinda na 1.ª página),
acompanhava o texto.
A “Ilustração Portuguesa”, revista de grande tiragem,
apresentou em 29 de Outubro, a páginas 353-356, uma reportagem do mesmo
jornalista com nada menos que onze fotografias tiradas em 13 de Outubro. Do
artigo, que tinha por título “O Milagre de Fátima” (Carta a alguém que pede um
testemunho insuspeito”) transcrevemos a parte final: “E, quando já não
imaginava que via alguma coisa mais impressionante do que essa rumorosa mas
pacífica multidão animada pela mesma obsessiva ideia e movida pelo mesmo
poderoso anseio, que vi eu ainda de verdadeiramente estranho na charneca de Fátima?
A chuva, à hora prenunciada, deixar de cair; a densa massa de nuvens romper-se
e o astro-rei – disco de prata fosca – em pleno zénite, aparecer e começar
dançando n’um bailado violento e convulso, que grande número de pessoas
imaginava ser uma dança serpentina, tão belas e rutilantes cores revestiu
sucessivamente a superfície solar… / Milagre, como gritava o povo; fenómeno
natural, como dizem sábios? Não curo agora de sabê-lo, mas apenas de te afirmar
o que vi… o resto é com a Ciência e com a Igreja…”
Outras publicações, mesmo humorísticas, comentaram e
glosaram as aparições de Fátima, como “O Século Cómico” (Suplemento de “O
Século”) de 29/10/1917.
Artigo publicado no jornal JOÃO SEMANA (1 de novembro de 1977)
http://artigosjornaljoaosemana.blogspot.pt/2016/07/fatima-na-imprensa-vareira-ha-60-anos-o.html
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Onomástica Fatimita em Ovar
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