TEXTO: Manuel Malícia
Nos documentos antigos,
encontramos referências a S. Martinho de Arada desde o século XII. Ao longo dos
tempos, esta freguesia manteve ligações de dependência administrativa com
diferentes instituições públicas: Ordem de Malta e concelhos e comarcas de Vila
da Feira e Ovar.
A actual ligação ao
concelho é a mais jovem, perfazendo, agora, 155 anos.
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Igreja de S. Martinho de Arada |
Arada transferiu-se do
Concelho de Vila da Feira para o Concelho de Ovar através de um Decreto datado
de 31 de Dezembro de 1853 e publicado no Diário do Governo em 3 de Janeiro de
1854.
A nossa curiosidade
faz-nos tentar perceber se aquilo que para nós, hoje, é um facto incontestável
e tranquilo – a ligação ao concelho de Ovar –, mereceu da parte dos nossos
antepassados a mesma leitura política e social. Dito de outro modo: – Qual a
razão, ou as razões, que motivaram a nossa mudança de Concelho? O que é que se
terá passado naquele já longínquo ano de 1853?
A Comarca de Ovar quer quatro
freguesias
Sabemos que não resta qualquer resquício de saudosismo na memória colectiva dos Aradenses, nem a nossa tradição oral transmite estórias de revolta ou descontentamento por tal mudança. Pouco sabemos do que terá ocorrido, mas, consultados os documentos disponíveis no Município da Feira, podemos formular algumas hipóteses, que agora partilhamos.
Sabemos que não resta qualquer resquício de saudosismo na memória colectiva dos Aradenses, nem a nossa tradição oral transmite estórias de revolta ou descontentamento por tal mudança. Pouco sabemos do que terá ocorrido, mas, consultados os documentos disponíveis no Município da Feira, podemos formular algumas hipóteses, que agora partilhamos.
Ovar, sob a presidência de
Manuel Bernardino de Carvalho, estava, em 1852, a pressionar fortemente o
Governo da Regeneração, liderado pelo Duque de Saldanha, para criar a
comarca de Ovar, o que veio a suceder, integrando as freguesias de Ovar, S.
Vicente de Pereira, Válega e Arada.
Reacção do concelho da
Feira
Em 5 de Fevereiro de 1853, praticamente um ano antes da passagem da nossa freguesia de Vila da Feira para Ovar, a Câmara Municipal daquela Vila reuniu extraordinariamente, sob a presidência de Manuel Bento da Cunha Barros, “para se deliberar não só sobre diversos requerimentos que havia para se deferir”, mas também para tomar posição, junto do governo, sobre notícias que indiciavam estar-se a procurar desmembrar daquele concelho algumas freguesias, passando elas a fazer “parte do Concelho de Ovar, como se pretendia”.
Em 5 de Fevereiro de 1853, praticamente um ano antes da passagem da nossa freguesia de Vila da Feira para Ovar, a Câmara Municipal daquela Vila reuniu extraordinariamente, sob a presidência de Manuel Bento da Cunha Barros, “para se deliberar não só sobre diversos requerimentos que havia para se deferir”, mas também para tomar posição, junto do governo, sobre notícias que indiciavam estar-se a procurar desmembrar daquele concelho algumas freguesias, passando elas a fazer “parte do Concelho de Ovar, como se pretendia”.
A Câmara vai mais longe e,
pela primeira vez, surge explicitamente a declaração do seu descontentamento
(até porque não passava “freguesia alguma da Beira senão deste Concelho”).
Perante o cenário de uma eventual mudança, a Câmara feirense associava às suas
“as reclamações dos povos das ditas freguesias de Arada, Maceda, Cortegaça e
Esmoriz”.
No dia 10 de Março de
1853, é presente à reunião de Câmara um ofício do deputado Francisco Rodrigues
Ferreira Casado, datado de 6/3/1853, em
que se lê: “Em resposta ao que esta Câmara lhe havia dirigido em data do mês
passado (1), acusando a
recepção da Representação desta Câmara compreendendo as Representações das Autoridades e cidadãos das
freguesias de Esmoriz, Cortegaça, Maceda e Arada sobre os inconvenientes das
suas desanexações deste concelho, e expressando, que havia perguntado aos
Ministérios do Reino e das Justiças, dando-lhes parte do conteúdo na dita
Representação, estes lhe responderam, que se não tratava de desanexação (das)
ditas quatro freguesias…”.
Nesse ofício referia-se que as Representações foram apresentadas “na Secretaria da Justiça, aonde seria esse documento constante (…) para se não alterar o que se acha”.
A Câmara agradeceu a cortesia e a deferência do Sr. deputado e, julgamos nós, considerou-se sossegada por uns tempos e satisfeita com a resposta.
Jogos de bastidores...
Porém, tudo indica que a Representação de Ovar continuaria a mover influências nos bastidores para concretizar a sua ambição e constituir a sua comarca. Assim se compreende que, em 25 de Agosto, a Câmara de Vila da Feira “voltava a representar ao governo que projectando-se criar a Comarca de Ovar” com as ditas freguesias, isso tornaria o concelho da Feira mais pobre e impossibilitado de meios para a sustentação do seu município e comarca.
Esta argumentação, de
natureza económica, pode ajudar a perceber a razão pela qual Arada é desanexada do Concelho de Vila da
Feira de modo solitário e desgarrado do conjunto das 4 freguesias inicialmente
propostas.
Senão, vejamos:
1 - Como vimos, a
Representação de Ovar exercia influência política para se criar a Comarca de
Ovar anexando freguesias de Vila da Feira.
2 - A Representação da
Câmara da Feira e das 4 freguesias, de entre as quais
Arada, lutava para evitar a desanexação.
3 - A Câmara da Feira
invocava razões de natureza económica e de sustentabilidade municipal para
travar o processo.
4 - O Governo decide transferir só Arada de Vila da Feira para
Ovar, ainda que alguns anos mais tarde, outras a haveriam de seguir.
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Capela e Largo de Nossa Senhora do Desterro |
Razões da mudança para Ovar
No nosso entendimento, a
decisão do Governo terá sido baseada no facto de, comparativamente, Arada ser
uma freguesia economicamente irrelevante no orçamento do Concelho da Feira.
Para fundamentar esta hipótese, basta consultar a “acta de apuramento e
formação da relação dos quarenta contribuintes mais abastados neste concelho
(Vila da Feira) que hão-de eleger a comissão de recenseamento” para nela
encontrar habitantes de Maceda e de Cortegaça, mas sem qualquer alusão a
Aradenses. Na referida acta de 17/10/1852 , constam: Manuel Francisco Godinho,
Maceda, com 7.448 reis e João Gomes do Santos, Cortegaça, com o rendimento de
7.148 reis. Ora, isto pode comprovar que Arada não possuía riqueza determinante
para participar num processo negocial em igualdade de circunstâncias.
Se tivermos em conta que a
influência política era determinada pela posse de riqueza, podemos inferir que
Arada era não só economicamente irrelevante para os cofres de Vila da Feira,
mas não tinha também qualquer força política. Se alguma freguesia teria que ser
a primeira a sair, estava claro que S. Martinho de Arada era o elo mais fraco.
O Dr. Alberto Lamy, na sua
Monografia de Ovar, dá um enorme contributo para percebermos que Ovar estava a
exercer uma grande pressão política para alargar o seu território e “pedia
incessantemente a criação da comarca e a 20 de Julho de 1852 enviou ao
secretário das Cortes e Ministério da Justiça, António Luís de Seabra (…) uma
representação para ser elevada à cabeça de comarca”.
A alegação da Câmara
fundava-se no facto de a população de Ovar sofrer grandes incómodos em ser
julgado da Comarca de Oliveira de Azeméis, não só pela grande distância que
separava as duas povoações, mas também pelos péssimos caminhos que as ligavam e
que no Inverno eram praticamente intransitáveis”.
Aliás, é curioso
confrontar estes argumentos com os da contestação à desanexação de Arada e das
restantes freguesias da Vila da Feira, invocados pelo Padre Aires de Amorim e
baseados nos documentos da época: “ser-lhes-ia penoso passar para Ovar, pela
maior distância, dificuldades de estradas «infestadas muitas vezes por ladrões», «terrenos pantanosos e regatos
intransponíveis no Inverno». Acrescia, ainda, que as relações sócio-económicas
destes povos os ligavam à Feira e separavam de Ovar”.
A acção dos almocreves
aradenses e o contributo do caminho de ferro
Pelo que sabemos, das 4 freguesias, Arada era a que menos poderia invocar razões de ordem geográfica para não passar para Ovar:
Pelo que sabemos, das 4 freguesias, Arada era a que menos poderia invocar razões de ordem geográfica para não passar para Ovar:
1 - Tratava-se de uma
freguesia territorialmente contígua, cujos limites concelhios assentavam no seu
espaço, nomeadamente em Arca Pedrinha, conforme consta de diversos documentos,
e em Olho Marinho;
2 - Como consequência,
tratava-se da freguesia em que o núcleo populacional estava menos distante do
burgo;
3 - Pelas ligações
históricas e de dependência entre Ovar e Feira, sabe-se que os caminhos
existentes passavam por Arada (e não por qualquer outra freguesia), o que a
colocava numa posição de relativo melhor acesso;
4 - No que diz respeito
aos terrenos pantanosos, sabemos que a zona poente de Arada e Maceda possuía
diversas linhas de água que dificultavam a circulação, existindo, inclusive, na
área do Jogal e Olho Marinho, terrenos muito alagadiços;
5 - Por último, para uma
freguesia que se dedicava à agricultura, seria indiferente estabelecer relações
sócio-económicas com Ovar ou com a Feira. Porém, para uma freguesia que
dominava a actividade comercial entre o litoral e o interior, através de
almocreves, julgamos que seria mais pacífica a aceitação colectiva da nova
realidade. Arada seria, então, a ponte entre o mundo piscatório-salineiro e
a ruralidade interior das Terras de Santa Maria.
Para ilustrar tal hipótese, podemos consultar os
estudos da professora Inês Amorim, da
Universidade de Aveiro, a qual, na Descrição da Comarca da Feira – em 1801,
aponta Arada como a freguesia dos almocreves: dos 47 existentes na Comarca de
Vila da Feira, 24 são de Arada e os restantes 23 de Lobão.
Anos mais tarde, a
construção do caminho de ferro ajudou a esbater estes argumentos utilizados nos
anos 50, e que se aplicavam, com toda a propriedade, às freguesias de Maceda,
Cortegaça e Esmoriz.
Passagem para Ovar
Perante estes dados, para a história fica que, no último dia do ano de 1853, um decreto determina a passagem de Arada para o Concelho de Ovar, passando a ter efeitos imediatos, como se pode ler no ofício do Governo Civil, com data de recepção de 17 de Janeiro. Nesta comunicação, que se deveu ao facto de, no dia 22 de Janeiro, ocorrer um acto eleitoral para os órgãos municipais de Vila da Feira, e os Aradenses já não poderem nele participar, lê-se: “não devem ser admitidos a votar os eleitores da freguesia de Arada por pertencerem a Ovar”.
Perante estes dados, para a história fica que, no último dia do ano de 1853, um decreto determina a passagem de Arada para o Concelho de Ovar, passando a ter efeitos imediatos, como se pode ler no ofício do Governo Civil, com data de recepção de 17 de Janeiro. Nesta comunicação, que se deveu ao facto de, no dia 22 de Janeiro, ocorrer um acto eleitoral para os órgãos municipais de Vila da Feira, e os Aradenses já não poderem nele participar, lê-se: “não devem ser admitidos a votar os eleitores da freguesia de Arada por pertencerem a Ovar”.
Num outro ofício datado de
16/1/1854 e recebido em 21/1/1854, o Governador ordena “que visto pertencer ao
Concelho de Ovar a freguesia de Arada, se entregue àquele Presidente a
administração municipal daquela freguesia, enviando-lhe os processos, que lhe
forem relativos, cópias de recenseamento”, o que sucede em 9 de Fevereiro.
A partir dos primeiros
meses de 1854, Arada enquadra-se numa nova realidade municipal, sendo hoje um
terra dinâmica e em franco progresso.
Importante é que os povos
tenham memória, conheçam o seu passado, valorizem as suas raízes e compreendam
que aquilo que somos hoje é fruto de alegrias, desilusões, sucessos ou
desventuras de homens e de mulheres que nos antecederam neste território e
nesta comunidade. O conhecimento da nossa História serve também para isso e
para criar identidade.
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(1) Curiosamente,
o escrivão deixou um espaço para colocar o dia, mas nunca mais o fez, continuando hoje em branco. Nas nossas
pesquisas, averiguamos que o ofício foi
enviado em 20 de Fevereiro, e que nele lhe pedia para intervir junto do
Governo, no sentido de se não “desmembrar deste concelho”algumas freguesias de
entre as quais Arada).
Artigo publicado no jornal JOÃO SEMANA (1 DE JANEIRO DE 2009)
http://artigosjornaljoaosemana.blogspot.pt/2012/05/arada-155-anos-no-concelho-de-ovar.html
Artigo publicado no jornal JOÃO SEMANA (1 DE JANEIRO DE 2009)
http://artigosjornaljoaosemana.blogspot.pt/2012/05/arada-155-anos-no-concelho-de-ovar.html
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